Irretroatividade da Nova Lei dos Crimes Hediondos e Progressão de Regime

Irretroatividade da Nova Lei dos Crimes Hediondos e Progressão de Regime
Irretroatividade da Nova Lei dos Crimes Hediondos e Progressão de Regime

Por: NEWTON RUBENS DE OLIVEIRA


IRRETROATIVIDADE DA NOVA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS E PROGRESSÃO DE REGIME




NEWTON RUBENS DE OLIVEIRA1







O Supremo Tribunal federal em recente decisão, final do ano passado entendeu, em sede de controle difuso de constitucionalidade, ser inconstitucional a proibição de progressão de regime prisional para os crimes hediondos e a eles equiparados. Ante a esta decisão, e tendo em vista o suposto aumento da criminalidade e de crimes bárbaros e que chocam toda a sociedade aprovou e posteriormente foi sancionada a lei nº 11.464, de 28 de março de 2007 pelo então Excelentíssimo Senhor Presidente da Republica Luiz Inácio Lula da silva, que aumentou o prazo para a concessão da progressão nos delitos acima descritos. O cerne deste artigo é justamente se atrever a determinar o momento de aplicação desta novacio legis, e se esta se aplica a decisões anteriores a vigência desta.


Tal finalidade tem como paradigmas os princípios norteadores previstos em nossa Carta Magna, bom como, o caminho que vem percorrendo a tendência racional de um DIREITO PENAL CONSTITUCIONALISTA.












I – INTRODUÇÃO.


É certo que as transformações sociais tem reflexo na dinâmica legislativa do direito. Neste compasso, a lei dos crimes hediondos (Lei 8072/1990), foi produto de uma clamor social, alavancado também pela mídia. Tal lei tem previsão constitucional no art. 5º, XLIII, que impõe a insuscetibilidade de fiança, anistia, graça ou indulto aos crimes hediondos e a eles equiparados.


Embora, tal lei tenha suas bases na constituição, o Legislador infraconstitucional foi além do que a Carta de 1988 fixou e determinou para estes crimes, pois foi além, proibindo a progressão de regime para os crimes assim definidos, indo na contra-mão de longa conquista evolutiva do direito, nos que tange ao princípio da individualização das penas e a progressão das penas.


Por este fato, O Supremo Tribunal Federal, coerente com decisões monocráticas deste juízo, e de acórdãos do Superior Tribunal de Justiça, julgou em sede de controle difuso, embora pelo pleno daquele órgão, ser inconstitucional tal vedação por ferir uma série de princípios a serem trabalhados neste humilde texto.


Todavia, o legislativo numa mania de criminalização, ou de aplicação das penas para coibir a violência, criou outra lei de nº 11.464, de 28 de março de 2007, com o fito de “concertar” o acerto jurisprudencial, de forma que ampliou os prazos para a concessão do benefício da progressão do regime mais rigoroso para o menos rígido, para aqueles que preencherem o requisito subjetivo para tal concessão.


Neste trabalho, embora de grande valia, não será discutida se esta mataria é ou não constitucional, quando se observa o princípio da humanização das penas, da isonomia e da individualização das penas, mas apenas o de identificar o momento de vigência desta lei, e se aplica aos presos que foram sentenciados ainda na vigência da antiga lei de execuções, qual seja a lei 7210/1983 (Lei de Execuções Penais – LEP).


Isto porque, a progressão de regime para os crimes hediondos, antes do advento desta nova e hedionda lei, era de 1/6 (um sexto), para os apenados primários e 1/3 (um terço) para os reincidentes. A nova lei, tornou mais severa ampliando os requisitos objetivos para a concessão do benefício da progressão de regime.


UM BREVE HISTÓRICO


O legislador constituinte, em 1998, incluiu no rol do art. 5º, da CFB/88, a possibilidade de não concessão de anistia, graça ou indulto para os crimes hediondos ou assim considerados. Senão vejamos:


"A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem".


Em 25 de junho de 1990, foi promulgada a lei ordinária, mas com caráter de lei complementar, de número 8.072, baseada no projeto substitutivo número 5.405, elaborado pelo Deputado Roberto Jefferson, então relator de Comissão de Constituição, Justiça e Redação.

 Sobre este tema Alberto Silva Franco, em 1994, sobre toda essa trajetória, desde a Constituição de 1988, até a lei de crimes hediondos em 1990, se posiciona:


"O que teria conduzido o legislador constituinte a formular o nº XLIII do art. 5º da CF? O que estaria por detrás do posicionamento adotado? Nos últimos anos, a criminalidade violenta aumentou do ponto de vista estatístico: o dano econômico cresceu sobremaneira, atingindo seguimentos sociais que até então estavam livres de ataques criminosos; atos de terrorismo político e mesmo de terrorismo gratuito abalaram diversos países do mundo; o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins assumiu gigantismo incomum; a tortura passou a ser encarada como uma postura correta dos órgãos formais de controle social. A partir desse quadro, os meios de comunicação de massa começaram a atuar por interesses políticos subalternos, de forma a exagerar a situação real, formando uma idéia de que seria mister, para desenvolvê-la, uma luta sem quartel contra determinada forma de criminalidade ou determinados tipos de delinqüentes, mesmo que tal luta viesse a significar a perda das tradicionais garantias do próprio Direito Penal e do Direito Processual Penal". (5) (sic)


Em verdade o que ocorreu foi a crescente mania de criminalização do legislador infraconstitucional, que, levando em consideração a possibilidade dada pelo legislador constituinte e observando alguns crimes ocorridos à época, que são hediondos por natureza, não porque determinado órgão do Estado assim, os denominaram, editou a lei 8.072/1990, que define os crimes hediondos e dá demais providências.


O artigo segundo da lei em comento, em seu caput, determina quais são os crimes equiparados aos hediondos, e em seu parágrafo primeiro determina que: "A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado". (grifamos).


A partir daí grande discussão foi dada após sua publicação, primeiro pela sua constitucionalidade, em segundo referente ao tempo de sua vigência e aplicação.


Mais de 15 (quinze) anos se passaram, até o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus nº 82.959-SP, Rel. Min. Marco Aurélio declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º da Lei 8.072/90, que dizia que: “a pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado”. Todavia, não só o dispositivo da decisão tem um mister, mas a forma da decisão, que se deu no Pleno do Pretório Excelso.


Destarte, tal decisão, foi discutida a luz do controle concentrado de constitucionalidade da lei, isto, caso proposto AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, perante o STF, a resposta já estava dada pelo entendimento da maioria dos Ministros, que sabiamente lastreou a decisão no princípio da individualização da pena, previsto no artigo 5º, XLVI da Constituição, segundo o qual, “a lei regulará a individualização da pena...”. De fato, ao proibir a progressão de regime, a lei dos crimes hediondos igualava a situação de apenados que poderiam ter diverso comportamento carcerário, não permitindo ao juízo da execução a verificação das condições de cada qual.


Todavia, antevendo a possibilidade de um iminente controle concentrado da referida matéria, O Legislativo, como resposta a presente decisão, e, talvez, por conta da comoção nacional, imbuída pela morte do menino João Hélio, no Rio de Janeiro, A recente Lei nº 11.464, de 28 de março de 2007 passou a permitir a progressão de regime nos crimes hediondos e equiparados, exigindo 2/5 de cumprimento da pena, se o apenado for primário, e 3/5, se for reincidente.


Eis a retórica da matéria aposta neste humilde trabalho, onde se observa técnica do legislador constitucional, levando em consideração todo um trabalho histórico e filosófico da melhor criminologia jurídica, outrora, se observa a mania legislativa de se tentar resolver os problemas sociais com a simples edição de lei, supondo que esta será necessária a prevenção de crimes. Ledo engano, eis que sabemos que é dessa forma que se assume posição tendente a prevenir o crime, porquanto, verbi gratia, não se previne crime algum aumentando a sua pena, digamos, a mínima de um para dois ou três anos, a máxima, de quatro para cinco ou seis anos. Há maus momentos legislativos aqui e ali, um desses foi o da lei que dispõe sobre os denominados crimes hediondos, lei proveniente de um desses tristes momentos da dogmática penal.



DA CONSTITUCIONALIDADE DA PROIBIÇÃO DE PROGRESSÃO DE REGIME.


A lei de crimes hediondos (lei 8072/90), em seu art. 2º, determinava que aos crimes hediondos e a eles equiparados, a pena será cumprida em regime integralmente fechado.


Este dispositivo, foi editado com vistas ao que determina a CF/88, que no art. 5º inciso XLIII determina que são insuscetíveis de graça, anistia ou indulto os crimes hediondos ou a eles equiparados.


Muito se discutiu durante a década de 90 e início do terceiro milênio acerca do dispositivo da mencionada lei, eis que claramente extrapola os limites constitucionais, eis que a CF/88 não proibiu a progressão de regime.


Conforme já dito anteriormente, mais de 15 (quinze) anos se passaram, até o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus nº 82.959-SP, Rel. Min. Marco Aurélio declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º da Lei 8.072/90, que dizia que: “a pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado”. Todavia, não só o dispositivo da decisão tem um mister, mas a forma da decisão, que se deu no Pleno do Pretório Excelso.


Destarte, observa-se que restou insustentável a constitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que permitia que a pena por crime hediondo fosse integralmente cumprida em regime fechado. A partir da linha interpretativa do Supremo, seguiu-se uma avalanche de decisões, colaborando para uma necessária e urgente administração linear do sistema penitenciário, porquanto a insegurança jurídica e diversidade de tratamento para presos em situações idênticas é motivo de instabilidade no cárcere.



DA NOVA LEI E DO MOMENTO DE SUA APLICAÇÃO.


Ante a decisão do Supremo e a edição do novel diploma acerca (lei 11.464/2007),que altera o art. 2º da lei dos crimes hediondos, questão tormentosa se tornou o momento de sua aplicação, tendo em vista os presos que já viam cumprindo pena por cometimento de crime hediondo. O novel diploma pode ser aplicado imediatamente a este? Isto é, se a lei nova podes ser considerada mais benéfica em relação a antiga se r aplicada imediatamente, ou se o contrário?


Para tanto, mister se faz, observar quais os parâmetros se deve tomar para observar qual o momento de aplicação da referida lei. Assim, não é demais lembrar que o Sistema de Progressão de Regimes está regulamentado sob a batuta de diplomas legais, quais sejam a lei 7210/1984 (Lei de Execuções Penais) e a lei 8072/1990 (a Lei de Crimes Hediondos), esta ultima que vedava a progressão de regimes para crimes hediondos e assim considerados.


No caso em tela, esta lei 11.464/2007, veio dar alteração ao art. 2º da Lei 8072/1990. Esta foi a vontade do legislador, senão vejamos o que preceitua a ementa da referida lei:


Dá nova redação ao art. 2o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do inciso XLIII do art. 5o da Constituição Federal.”



Assim, de fato a Lei nova veio a derrogar lei anterior que, sob o ângulo da retroatividade, é possível observar que não há ilegalidade no fato de aplicá-la imediatamente, pois em relação a aquela, esta é mais benéfica, e estaria em perfeita consonância com o enunciado no art. 2º, do CPB.


Ocorre, todavia, não é novidade que a norma supramencionada, qual seja o art. 2º da lei 8072/90, é inconstitucional.


Permitir a progressão não é assegurar que, ao final de um determinado período, o condenado dela se beneficiará, inderrogavelmente, mas, sim, lhe permitir que a conquiste a cada dia.


A individualização da pena faz-se primeiramente pelo legislador, ao cominar as penas e possibilitar a progressão do seu regime de cumprimento.


O Juiz, na sentença condenatória, a completa, quando a faz em relação a cada crime (consoante a pena e os regimes fixados pelo legislador) e em relação a cada réu, considerado um mesmo crime. Finalmente, não se pode olvidar que a Lei 7210 de 1984, além de dispor que a execução penal tem como meta efetivar as disposições da sentença e proporcionar a harmônica integração do condenado, ainda diz que eles serão classificados segundo os seus antecedentes e personalidade, tudo para orientar a individualização da execução penal, oportunidade em que ela se completa. Noutras palavras, quis o legislador, mais uma vez, acentuar que nem todos os autores de um mesmo crime têm os mesmos antecedentes criminais, mesma personalidade e merecem igualmente a mesma pena e o mesmo regime de seu cumprimento. A individualização da pena não deve exaurir-se no momento da sua cominação, nem da sua imposição, mas deve ser renovada durante o cumprimento da pena, estendendo benefícios aos que os conquistem e restringindo-os àqueles que não lutaram por merecê-los, o que se nos afigura impossível se determinado, definitivamente, o regime fechado.


A Constituição Federal consagrou a individualização da pena, e a lei 8.072 de 1990 dela afastou-se ao prescrever um único regime de cumprimento da pena para todos os agentes dos crimes hediondos. Nem todos os autores de crimes hediondos devem ficar impedidos de obter a progressão, mas sim aqueles que, no cumprimento da pena, demonstrarem que não possuem os requisitos necessários para obtê-la.


Nos dias de hoje, talvez também nos de ontem, há e havia autores e vítimas de um estranho episódio legislativo, há hoje mais vítimas que autores, enfim, vítimas e autores de dois males (isto é, de algo contra o bom direito, contra as boas normas, etc.), todos padecemos – misteriosamente, mas explicitamente –, sem dúvida, do excesso de querer constitucionalizar normas e do excesso de querer criminalizar fatos, entre outras manias.



Ainda bem que já se fala por aí afora da necessidade, repito, da necessidade de "lipoaspirar" a Constituição. E quem falou tem alta autoridade, primeiro, porque foi constituinte, segundo, porque preside o Supremo, Tribunal a que compete guardar a Constituição. Esperemos, portanto. Falemos do outro mal, a mania da criminalização, do aumento das penas privativas de liberdade, da distinção entre crimes e crimes, uns hediondos e outros não-hediondos, como se todos não o fossem – que desastrosa e infeliz distinção! –, enfim, falemos dessas manias, que muitos supõem necessárias à prevenção dos crimes. Que engano, absolutíssimo engano! Não é dessa forma que se assume posição tendente a prevenir o crime, porquanto, verbi gratia, não se previne crime algum aumentando a sua pena, digamos, a mínima de um para dois ou três anos, a máxima, de quatro para cinco ou seis anos. Há maus momentos legislativos aqui e ali, um desses foi o da lei que dispõe sobre os denominados crimes hediondos, lei proveniente de um desses tristes momentos da dogmática penal. Deve –se mudar o discurso e as concepções legislativas, porque, respeitosamente, a lei de crimes hediondos foi um passo atrás, bem atrás, e o Direito (como ciência), mormente o Penal (a moderna dogmática), está à frente, estamos bem à frente. À pergunta a propósito do sentido da pena estatal (observem isto: quais os seus limites, qual a legitimação do poder estatal) o alemão Roxin responde dizendo que não podemos nos "contentar com as respostas do passado, visto que a situação histórico-espiritual, constitucional e social do presente exige que se penetre intelectualmente num complexo com várias facetas".


Dos fins imediatos da pena, a saber, o de intimidar, o de corrigir (o da reabilitação ou ressocialização) e, por que não, o de impossibilitar, temporariamente, a prática de outros crimes, filósofos e penalistas oitocentistas e novecentistas, entre os quais Beccaria (1738 - 1794), Carmignani (1768 - 1847) e Feuerbach (1775 - 1833), conquanto tenham liderado movimentos tendentes a humanizar o sistema penal (num momento de situações de violação, opressão e iniqüidade quanto a espécies de pena e quanto ao cumprimento), colocaram-se, entretanto, relativamente aos fins imediatos da pena, ao lado do primeiro daqueles fins, isso porque, para eles, não tinha a sanção penal outro efeito além do poder de intimidar, de coagir psicologicamente o autor do crime. Kant (1724 - 1804) tinha a pena como imperativo categórico – exigência de justiça absoluta, retributiva, medida pelo talião (“vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé”,


Deuteronômio 19:21). Em seu "Dicionário", escreveu Caygill que, (I) para Kant, a punição havia de ser “infligida para um crime e não como um meio para algum outro fim” (por exemplo, desencorajar outros, ou reabilitar); (II) que a tese retributiva de Kant foi desenvolvida por Hegel; (III) que a tese kantiana foi recentemente eclipsada por argumentos “que sublinham as finalidades de dissuasão e reabilitação servidas pela punição”.


Entretanto, completou Caygill, a partir da década de 80, “registrou-se um interesse renovado pelas filosofias retributivas de punição” (J. Zahar, 2000, págs. 212/213).


Todavia leia-se, ao lado de outros existentes instrumentos legislativos, a Constituição da Itália, com vigência a partir de 1948, nesta passagem do seu art. 27: “As penas não podem comportar tratamentos contrários ao senso de humanidade e devem visar à reeducação do condenado.” De semelhante feitio, a Constituição da Espanha de 1978, art. 25, número 2: “Las penas privativas de libertad y las medidas de seguridad estarán orientadas hacia la reeducación y reinserción social y no podrán consistir em trabajos forzados...” Analogicamente, o Parlamento Europeu vem recomendando, a propósito da adoção de política penal e de política de execução penal, que os Estados-Membros acolham medidas relativas à reeducação do condenado, sua instrução, reabilitação e reinserção social e profissional. Vem, ainda, recomendando maior aplicação das denominadas sanções alternativas em substituição à encarceração.


Fomos aplaudidos, ainda no Império, em virtude do Código de 1830, "obra legislativa", escreveu Aníbal Bruno, "realmente honrosa para a cultura jurídica nacional, como expressão avançada do pensamento penalista no seu tempo"; talvez não tenhamos sido aplaudidos com o Código de 1890, mas não deixou ele, como também observou Bruno, e se apresentar "como obra de estrutura geral avançada". Progredimos, é claro, com o Código de 1940, entre outros pontos, com a instituição da execução da pena pelo sistema progressivo: "... de modo que a pena imposta, além do seu caráter aflitivo (ou retributivo), deve ter o fim de corrigir, de readaptar o condenado" (Exposição, nº 31).


Se se lhe nega o caráter de correção, de readaptação do condenado, a pena estatal privativa de liberdade se desfigura, deslegitima-se até, e ao Estado, então, faltariam meios que a justificassem legítima e legalmente; entre nós, por exemplo, ao que eu creio, faltam ao Estado brasileiro meios legítimos que justifiquem o discrímen relativamente ao cumprimento dessa pena, visto que quando a lei estabelece o seu cumprimento fazendo discriminação, a essa pena se está negando o caráter de readaptação, e aí como ficam os princípios da igualdade de todos perante a lei e da individualização da pena? Princípios que conosco estão convivendo há bastante tempo (vejam que o da individualização convive conosco desde o Código de 1830).


Indo de um cabo a outro da vasta história penal, podemos verificar que, no cabo mais recente, a história geral da humanidade acabou assumindo fiel compromisso com a reeducação do condenado e com sua reinserção social (ressocialização), e a nossa história, como vimos de ver, não só seguiu os acontecimentos vindos de fora como ousou lá fora a dar exemplo, marcando a nossa presença, digamos, com o Código de 1830, digamos mais, com as recentes Leis nºs 7.209 e 7.210, ambas de 11.7.84, que estabelecem os regimes de cumprimento da pena privativa de liberdade, daí rezar a Lei de Execução Penal, no seu art. 1º, que a execução "tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado". Eis passagem da sua Exposição de Motivos: "Sem questionar profundamente a grande temática das finalidades da pena, curva-se o Projeto na esteira das concepções menos sujeitas à polêmica doutrinária, ao princípio de que as penas e as medidas de segurança devem realizar a proteção dos bens jurídicos e a reincorporação do autor à comunidade."Infelizmente, a lei sobre crimes hediondos terminou por fazer pouco caso de alguns princípios, talvez tenha mesmo o legislador procedido de caso pensado, mas, ao ver de uma plêiade de juristas, também a meu ver, tal procedimento foi de encontro a princípios benéficos que vigem desde os tempos mais remotos (igualdade de todos, individualização da pena, reabilitação, etc.). Ora, à Lei nº 8.072, de 25.7.90, só lhe faltou mesmo a criação da figura do "abominável réu", aquela figura constante da sentença de 19.4.1792 que condenou José da Silva Xavier à forca a fim de que nela morresse (morte natural) para sempre.


De tão ilegítima, de tão ilegal, de tão insensata, de tão chocante e de tão inconstitucional que é em algumas de suas disposições, a Lei nº 8.072, quando escapa da incompatibilidade entre normas infraconstitucionais e constitucionais, é um diploma que só pode ser visto como aqueles de interpretação estrita, tal como são de interpretação estrita, na feliz lembrança de Maximiliano, "as disposições que restringem a liberdade humana". Apropriada, assim e portanto, a transcrição de um trecho das "Memórias da Casa dos Mortos", de Dostoiévski. Ei-la: "O presídio e os trabalhos forçados não fazem mais do que fomentar o ódio, a sede de prazeres proibidos e uma terrível leviandade de espírito no presidiário Estou convencido de que, com o famoso sistema celular, apenas se obtêm fins falsos, enganosos, aparentes. Esse sistema rouba ao homem a sua energia física, excita-lhe a alma, debilita-lha, intimida-lha, e depois apresenta-nos uma múmia moralmente seca, um meio louco, como obra da correção e do arrependimento." Que espécie de correção, hem? Dostoiévski saiu do presídio em 1854, e as "Memórias" vêm a lume em 1860; de lá para cá, é certo, presídio não mudou tanto. Essa constatação, no entanto, não nos há de desanimar, aliás, penso eu, há de levar-nos, em primeiro lugar, a pregar a sua total reforma, em segundo lugar, a reconhecer o caráter de correção da pena.


Por tudo isso e mais o que existe que não é crível imaginar a constitucionalidade do art. 2º da Lei nº 8.072. O Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus nº 82.959-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º da Lei 8.072/90, que dizia que: “a pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado”.


Com tal decisão, O STF garantiu a todos os cidadãos o direito de cumprir as penas a qual possam ser acometidos, sob a égide do que determina os arts. 33, § 2º, do Cód. Penal e 112 da Lei nº 7.210.


O Legislativo, antevendo tal possibilidade, e na sua mania nua mania de dar respostas a sociedade ainda que estas não sejam as melhores, editou a recente Lei nº 11.464, de 28 de março de 2007 que passou a permitir a progressão de regime nos crimes hediondos e equiparados, exigindo 2/5 de cumprimento da pena, se o apenado for primário, e 3/5, se for reincidente.


A luz do que determina o art. 33, §2º do CP e do art. 112 da LEP, a nova lei é mais maléfica, não podendo retroagir para alcançar fatos anteriores a sua vigência, eis que se trata de lei de natureza material, isto é de direito penal e não processual.


Todavia, em se tratando de lei que versa acerca dos crimes hediondos, devemos ter o cuidado de analisá-la sob a óptica da legislação especial penal, pois se trata de legislação que toca exatamente a lei 8072/90 (Lei dos Crimes Hediondos). Esta lei na permitia, sob hipótese alguma a progressão das penas de um regime mais rigoroso para os menos rigorosos.


Assim, não poderiam chegar a outra conclusão, senão a de que a Lei 11.464/2007, é mais benéfica, eis que trata-se de lei especial, em relação ao CP e a LEP e é lei mais nova, que sendo mais benéfica em relação a lei derrogada, deve ter aplicação imediata.


Ocorre que o art. 2º, da lei 8072/90, conforme já salientado, durante todo o curso do humilde trabalho, é inconstitucional, isto é deve ser considerado letra morta, sem eficácia. O interprete, não teria maiores dificuldades pra se chegar a esta conclusão, eis que a nossa Corte Suprema no julgamento do Habeas Corpus nº 82.959-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, declarou incidentalmente a sua inconstitucionalidade.


Destarte, tal decisão, foi discutida a luz do controle concentrado de constitucionalidade da lei, isto, caso proposto AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, perante o STF, a resposta já estava dada pelo entendimento da maioria dos Ministros, que sabiamente lastreou a decisão no princípio da individualização da pena, previsto no artigo 5º, XLVI da Constituição, segundo o qual, “a lei regulará a individualização da pena...”. De fato, ao proibir a progressão de regime, a lei dos crimes hediondos igualava a situação de apenados que poderiam ter diverso comportamento carcerário, não permitindo ao juízo da execução a verificação das condições de cada qual.


Assim, embora, a lei dos crimes hediondos esteja formalmente em vigência, não se pode dizer o mesmo em sua forma material, isto é na sua aplicação, eis que notória a sua inconstitucionalidade, de forma que absurdo seria outro entendimento. Afinal, principalmente após o julgamento do HC nº 82.959-SP, pelo STF, ainda que o interprete tenha liberdade para discordar, ou entender de forma diversa, quando esta matéria for levada ao crivo do pleno do Pretório Excelso, resultara inútil, a manutenção de uma política equivocada de segurança pública.


A questão de não haver Súmula Vinculante do STF (nos termos da lei 11.417/2007 que atendeu a determinação da Emenda Constitucional nº 45), e nem mesmo atuação do Senado, em nada afeta o consenso de que o art. 2º da Lei 8072/90 é inconstitucional. Aliás, o próprio legislativo, sensível a este fato, seguiu esta inércia e tratou de editar lei revogando o artigo supracitado, porem, desacelerou na medida em que ainda trata de forma desigual aqueles que cometeram crimes hediondos.


Destarte, outra conclusão não se pode chegar senão a de que o art. 2º da Lei dos Crimes Hediondos é inconstitucional, o Pleno da nossa Corte Suprema, assim, já se manifestou na forma de controle difuso, porem nos dando a certeza, de que matéria semelhante posta a sua análise na forma de Controle Concentrado, terá a mesma resposta, de forma que a lei 11464/2007, ao ser interpretada no caso concreto, deve ter aplicação apenas a fatos ocorridos após a sua vigência, tendo em vista o princípio da irretroatividade das normas penais e da retroatividade benigna, eis que a o art. 33, §2º do CP e o art. 112, da LEP são mais brandos em relação ao novel diploma.


Considerada a garantia da irretroatividade da norma penal mais gravosa (CF, art. 5º, XL e CP, art. 2º), os critérios de progressão de regime estabelecidos pela Lei 11.464/2007 somente se aplicam aos fatos ocorridos a partir de 29.3.2007. O Supremo, em HC 91631/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 16.10.2007, onde determinou-se a juízo de execução a observar o direito de paciente ter progredido a sua pena, tendo como parâmetros a Lei de Execuções Penais vigente a época do delito.


CONCLUSÃO


Restou claro que o art. 2º, §1º, da lei 8072/90 é inconstitucional ao determinar que aos crimes hediondos não se pode conceder o benefício da progressão de regime aqueles que preencham seus requisitos objetivos e subjetivos, nos termos do art. 112, da Lei de Execuções Penais – LEP.


É inconstitucional, pois segue uma tendência contrária à evolução do direito e das conquistas sociais, quando afronta princípios constitucionais quais sejam, o da igualdade bem como da individualização das penas, dentre outros.


O próprio Supremo Tribunal Federal, ainda que em sede de controle difuso de constitucionalidade, mas por decisão do seu pleno, no julgamento do Habeas Corpus nº 82.959-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º da Lei 8.072/90.


In casu, não houve, conforme alguns insistam em afirmar, ponderando pela constitucionalidade da norma supracitada, não houve afastamento da aplicação da norma em comento pelo controle concentrado de constitucionalidade, todavia, alem de tal decisão ser firmada pelo pleno do Pretório Excelso, foi a decisão mais acertada em vista aos princípios protegidos pela Corte, bem como, era uma tendência que todos os tribunais vinham adotando.


Destarte, embora os juízos pátrios não estejam vinculados a decisão do Supremo, as decisões necessariamente deverão observar a sua constitucionalidade em controle difuso, afastando por óbvio a sua aplicabilidade.


Assim, ante a inconstitucionalidade da norma, a Lei 11.417/2007, que trata da progressão de regimes aqueles que cometeram crimes hediondos, deve te parâmetros de aplicação a luz do que determina a Lei de Execuções Penais.


Em relação a esta, não há como negar que a novatio legis é mais rigorosa no que tange ao requisito objetivo para a concessão do benefício, eis que aumentou o prazo de 1/6 (um sexto) para os que são considerados primários para 2/5 e para os considerados reincidentes aumentou de 1/3 (um terço), para 3/5 (três quintos).


Sendo leis novas, que revoga lei que dispunha sobre o mesmo assunto, porem, mais antiga, em se tratando de lei penal, deve observar o princípio da retroatividade benigna e da irretroatividade mais benéfica (arts. 2º e 3º do CPB). De forma, esta lei somente se aplica aos casos em que ocorreram após a sua entrada em vigência, segundo o principio da atividade inserto também no CPB.


REFERÊNCIAS:

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GOMES, Luiz Flávio. Penas e Medidas Alternativas à Prisão. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000.

Mirabete, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal, Ed. Dos Tribunais. 2006.


1 Dr. Newton Rubens de Oliveira, advogado, bacharelado pela Universidade Paulista – UNIP/DF, Instrutor de Direito Penal e Processual Penal da Policia Militar do Distrito Federal nos cursos de formação de Cabo e Sargento e Coordenador de Projetos da Agência Juvenil de Direitos – organização civil do terceiro setor.